A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), por sugestão do Ministro Gilmar Mendes, resolveu enviar ao Plenário um recurso extraordinário com agravo que discute a possibilidade de tribunais de contas apreciarem a constitucionalidade de leis municipais.
Deve ser lembrado que há 60 anos fora editada a Súmula nº 347/STF, que prevê:
O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público.
Evidentemente, 60 anos atrás estávamos sob a égide de outra constituição federal, de modo a haver, de fato polêmica em torno do tema.
No caso atual apreciado pelo STF, o Tribunal de Contas dos Municípios de Goiás (TCM-GO) julgou inconstitucionais leis do Município de Chapadão do Céu, a respeito da revisão anual dos salários de servidores, vereadores e prefeitos em 2005 e 2006.
O Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) anulou a decisão por considerar que a função de declaração de inconstitucionalidade é privativa do Poder Judiciário.
Agora, o STF reanalisará a matéria, para definição do alcance e até mesmo da eventual superação da Súmula nº 347.
Importante observar que decisões recentes da Suprema Corte, como no caso dos MS 35.824, MS 35.410 e MS 35.410 MC, afastaram expressamente a possibilidade de os Tribunais de Contas – ou mesmo outras Cortes não vinculadas ao Poder Judiciário – realizarem controle de constitucionalidade.
Nesse ponto, cabem duas explicações, para fins de estabelecimento de premissas.
Primeiro, os Tribunais de Contas, apesar do nome, não são realmente “tribunais” propriamente ditos, no sentido de que não integram a estrutura do Poder Judiciário, mas do Poder Legislativo, atuando com poderes de fiscalização e decisão.
Trata-se de atuação do Legislativo em função atípica, mas consolidada na própria Constituição Federal.
A outra premissa é a de que é vedado ao Poder Executivo realizar o controle de constitucionalidade de leis em órgãos decisórios internos, posto que está submetido ao Princípio da Legalidade, devendo fazer o que a lei manda e deixar de fazer o que a lei manda não fazer. Nesse caso, por exemplo, não pode a Receita Federal do Brasil reconhecer a inconstitucionalidade de norma em julgamento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).
Sabendo que o Poder Executivo não pode realizar controle de constitucionalidade de leis, pode o Poder Legislativo fazê-lo? Essa é a questão a ser respondida.
Reconhecemos ser uma questão bastante problemática. Os advogados e juristas que atuam predominantemente com o Poder Judiciário provavelmente tenderão a dizer que o controle de constitucionalidade, ainda que incidental, é matéria própria para esse Poder e, logo, para os Tribunais propriamente ditos.
Nós, porém, fazemos uma ressalva, para fins de debate: o Poder Legislativo, em atividade própria, é o que faz as leis, fazendo sentido que possa dispor acerca da constitucionalidade de leis.
É verdade que tradicionalmente esse controle é preventivo, ou seja, quando o projeto de lei ainda está sendo realizado, não após a publicação e vigência da lei.
No entanto, soa estranho o próprio Legislativo, quando em função jurisdicional imprópria (dizendo o Direito, como fazem os Tribunais de Contas) não poder dizer sobre a constitucionalidade de leis.
Ao mesmo tempo, existe uma questão prática de quem trabalha com Tribunais de Contas: inúmeras vezes as fiscalizações e imputações são vinculadas a questões manifestamente ilegais ou inconstitucionais, fazendo com que haja décadas de investigação em torno de temas que se revelam completamente insensatos, ao final, gastando e energia da Corte e o dinheiro do contribuinte desnecessariamente.
Os argumentos de inconstitucionalidade, por mais evidentes que sejam, raríssimas vezes são apreciados. O caso se arrasta pelas já mencionadas décadas e, quando se encerra, aí se inicia um processo judicial em que se reconhece a inconstitucionalidade.
Perde o investigado, perde a sociedade, perde o Tribunal de Contas, envolto em questões que, ao final, se revelam inúteis.
Não se deseja esgotar o tema aqui e, francamente, nem mesmo se tem qual a melhor solução em torno do tema. Sabemos apenas existir um problema franco: a falta de eficiência e efetividade nas atividades dos Tribunais de Contas.
Bruno Barchi Muniz – é advogado, graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Católica de Santos, Pós-Graduado em Direito Tributário e Processual Tributário pela Escola Paulista de Direito (EPD), membro da Associação dos Advogados de São Paulo. É sócio-fundador do escritório Losinskas, Barchi Muniz Advogados Associados – www.lbmadvogados.com.br