Uma decisão recente da Justiça de São Paulo garantiu a uma servidora pública municipal o direito de reduzir sua jornada de trabalho em 25%, sem que seu salário fosse afetado. Essa decisão tem como objetivo permitir que ela acompanhe o filho, uma criança autista de quatro anos, em suas terapias multidisciplinares, sem precisar compensar as horas de trabalho que deixar de cumprir.
A decisão anulou a determinação anterior da prefeitura, que exigia que a servidora compensasse as horas de trabalho não realizadas.
No caso, a criança precisa de mais de 17 horas semanais de atendimento clínico especializado, e o tempo necessário para as terapias, somado ao deslocamento, ultrapassa 21 horas semanais. Essa realidade tornou inviável para a mãe compensar as horas que passava acompanhando o filho.
Embora a legislação local permita a redução da carga horária para servidores que precisam cuidar de dependentes com deficiência, o decreto municipal limitava essa redução a 10 horas, desde que fossem compensadas. A servidora, sem condições de cumprir essa exigência, entrou na Justiça pedindo a exclusão da necessidade de compensação.
A Justiça acolheu o pedido, afirmando que o município não poderia usar sua autonomia para desrespeitar princípios fundamentais, sobretudo a dignidade da pessoa humana. Ela também destacou a importância de garantir os direitos de pessoas com deficiência.
Por fim, consignou-se que a redução da jornada não representaria um custo excessivo ou um impacto financeiro significativo para o poder público. Para a decisão, o princípio da isonomia — que garante tratamento igualitário aos servidores — deveria prevalecer nesse caso.
Trata-se de caso que a doutrina certamente chamaria de “hard case”, do tipo que desafia e muito nossa tentativa de chegar a uma decisão justa ou, pelo menos, a uma decisão menos injusta.
De um lado temos a evidente necessidade de um menor e de sua família. Do outro, o Poder Público, o interesse público e as intermináveis atividades que o servidor precisa desempenhar, observando, ainda, que ele é pago com o dinheiro do contribuinte.
Mesmo não havendo decisão fácil nesse caso, entendemos que a solução proposta pela Justiça pareceu a mais adequada, por privilegiar aquilo que é realmente mais caro.
Estamos em meio a um mar de ativismo judicial e de decisões pouco pensadas, que tratam questões econômicas como se fossem coisas superficiais, fazendo com que administradores – públicos e privados – sejam lançados em situações sem solução, quase que dizendo algo como “se vire”.
No entanto, considerando as particularidades da situação, nos parece razoável a postura da decisão, que seguiu caminho menos “utilitarista”, privilegiando as necessidades de um tratamento árduo o qual a pessoa demanda, demandando, também, do responsável.
Mesmo assim cabe ressaltar que essa medida nos parece possível no âmbito do Poder Público, mas que provavelmente não receberia o mesmo tratamento em âmbito particular.
Com efeito, mais de 90% dos empregos no país são providos pelas micro e pequenas empresas, que não raro conseguem sustentar um, dois, talvez cinco empregados.
Em situação como essa, seria muito difícil – talvez impossível – a empresa poder prescindir de um empregado por período alongado, inviabilizando até mesmo a atividade econômica.
Por isso, consideramos a decisão pontualmente correta, mas reconhecemos que a aplicação de uma jurisprudência mais ampla a esse respeito pode ser extremamente problemática.
Bruno Barchi Muniz – é advogado, graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Católica de Santos, Pós-Graduado em Direito Tributário e Processual Tributário pela Escola Paulista de Direito (EPD), membro da Associação dos Advogados de São Paulo. É sócio-fundador do escritório Losinskas, Barchi Muniz Advogados Associados – www.lbmadvogados.com.br