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Rol da ANS: Uma disputa que jamais irá acabar – Parte 2: O que o STJ realmente decidiu

No artigo anterior falamos não do julgamento, mas da comoção em torno do julgamento do “rol da ANS”, que indica os procedimentos de cobertura obrigatória para planos de saúde, se esse rol seria exemplificativo ou taxativo.

A tese vencedora do julgamento foi de que o rol seria taxativo, embora “com exceções”.

A dita comoção, como vimos antes, motivou a intervenção do Câmara dos Deputados, que prontamente respondeu com o Projeto de Lei nº 2033/22, que obriga que os planos de saúde custeiem tratamentos fora do rol da ANS em havendo algumas circunstâncias.

Criticamos o problema de se criar mais critérios para se entender sobre a taxatividade ou não do rol, não só porque eles ampliariam a zona cinzenta, mas porque acabariam com a correta simplicidade que sempre foi vigente desde que adveio a Lei dos Planos de Saúde, em 1998.

Agora, voltamos os olhos para o julgamento que, embora criticado (com razão) acabou por dar, ao que nos parece, uma Vitória de Pirro para os planos de saúde.

A tese firmada no julgamento foi a seguinte:

1. O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar é, em regra, taxativo;

2.  A operadora de plano ou seguro de saúde não é obrigada a arcar com tratamento não constante do rol da ANS se existe, para a cura do paciente, outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado ao rol;

3. É possível a contratação de cobertura ampliada ou a negociação de aditivo contratual para a cobertura de procedimento extra rol;

4. Não havendo substituto terapêutico ou esgotados os procedimentos do rol da ANS, pode haver, a título excepcional, a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo assistente, desde que (i) não tenha sido indeferido expressamente, pela ANS, a incorporação do procedimento ao rol da saúde suplementar; (ii) haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências; (iii) haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais (como Conitec e Natjus) e estrangeiros; e (iv) seja realizado, quando possível, o diálogo interinstitucional do magistrado com entes ou pessoas com expertise técnica na área da saúde, incluída a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, sem deslocamento da competência do julgamento do feito para a Justiça Federal, ante a ilegitimidade passiva ad causam da ANS.

Como se observa, a decisão foi de que o rol é, “em regra”, taxativo. Ou seja, comporta exceções.

E as exceções, como também se nota, são justamente para os casos em que o rol não era suficiente para prover o tratamento demandado pelo paciente.

Assim, havendo justificativa suficiente para se superar os limites do rol, com orientações médicas bem embasadas, a tendência é de que o Judiciário continue a garantir o tratamento como se o rol fosse exemplificativo.

Tanto o é que os dois casos concreto que foram julgados na ocasião, para determinar a taxatividade do rol, acabaram por aplicar a exceção. Um deles para o tratamento de um paciente com esquizofrenia e outro com autismo.

No Tribunal de Justiça de São Paulo, que já tinha até sumulado o entendimento de que o tratamento cabe ao médico, a decisão do STJ aparentemente nada mudou no que se vinha julgando.

No nosso escritório tivemos já um caso julgado pelo próprio STJ após a definição da questão do rol, em que pedíamos disponibilização tratamento não previsto no rol da ANS para um paciente com câncer. O STJ, mantendo decisão das instâncias inferiores, determinou a cobertura por parte do plano de saúde.

É claro que a decisão do STJ poderia ser melhor e menos confusa, já que indica tantas exceções que faz com que as elas virem a regra. Perdeu-se uma ótima chance de trazer segurança jurídica definitiva ao tema, ainda mais considerando a jurisprudência dominante a favor dos pacientes nos últimos 24 anos.

Ao revés, tivemos um argumento superficial que tenderá a ser usado pelas empresas do ramo, mas com tantas reservas e ressalvas que fez com que a tendência seja de pouca diferença prática.

Ou seja, as divergências continuarão totalmente em aberto, demandando que o Judiciário as analise a cada caso.

O rol da ANS é a disputa que jamais irá acabar.

Bruno Barchi Muniz – é advogado, graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Católica de Santos, Pós-Graduado em Direito Tributário e Processual Tributário pela Escola Paulista de Direito (EPD), membro da Associação dos Advogados de São Paulo. É sócio-fundador do escritório Losinskas, Barchi Muniz Advogados Associados – www.lbmadvogados.com.br

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