No final do mês de março o STJ julgou em sede de recursos repetitivos (uma só decisão para vários processos sobre o mesmo assunto e de observância obrigatória para as instâncias inferiores) a respeito da validade do reajuste por faixa etária em planos de saúde coletivos (Tema nº 1.016).
O texto do Tema é o seguinte:
1) Aplicabilidade das teses firmadas no Tema 952 aos planos coletivos, ressalvando-se, quanto às entidades de autogestão, a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor (CDC);
2) A melhor interpretação do enunciado normativo do artigo 3º, II, da Resolução 63/2003 da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) é aquela que observa o sentido matemático da expressão “variação acumulada”, referente ao aumento real de preço verificado em cada intervalo, devendo-se aplicar, para sua apuração, a respectiva fórmula matemática, estando incorreta a simples soma aritmética de percentuais de reajuste ou o cálculo de média dos percentuais aplicados em todas as faixas etárias.
Como visto, há remissão a outro Tema, o de nº 952, que também se transcreve:
O reajuste de mensalidade de plano de saúde individual ou familiar fundado na mudança de faixa etária do beneficiário é válido desde que (i) haja previsão contratual, (ii) sejam observadas as normas expedidas pelos órgãos governamentais reguladores e (iii) não sejam aplicados percentuais desarrazoados ou aleatórios que, concretamente e sem base atuarial idônea, onerem excessivamente o consumidor ou discriminem o idoso
Disso extraímos, em primeiro, que o relacionamento dos usuários com as entidades de autogestão não é de consumo, mas arbitrado pelos critérios do Código Civil e legislação não consumerista, aplicando-se os respectivos princípios e normas.
Em segundo, quanto ao reajuste, ele será legítimo desde que esteja previsto em contrato, siga as normas governamentais e regulatórias e desde que os percentuais sejam justificados, sem onerar excessivamente o consumidor ou discriminar o idoso.
Em terceiro, a respeito da forma de se calcular o reajuste, a interpretação é de que o aspecto da “variação acumulada” deve ser apurado em fórmula matemática, não sendo válido simplesmente se somar os percentuais ou médias de percentuais aplicados em todas as faixas etárias.
Embora não se possa negar tratar-se de uma decisão que impõe critérios, ela continua como uma norma “em branco”, demandando complemento e análise factual, sobretudo para se analisar se os percentuais de reajuste são ou não “desarrazoados ou aleatórios”.
Na maior parte das vezes as decisões e fundamentações acerca de reajustes e cálculos não são suficientemente divulgados – quando o são.
Se você é consumidor de plano de saúde, tente obter no site da empresa as informações a esse respeito. Garanto que em 99% dos casos você não as encontrará. E, se conseguir, assim será através de uma verdadeira odisseia.
Portanto, não há mesmo suficiente divulgação aos consumidores a respeito dessas informações, fato que talvez merecesse maior atenção dos órgãos regulatórios.
Porém, mesmo quando obtidas, quem é capaz de entender as premissas, exposições e cálculos realizados? Pouquíssimas pessoas, pois está tudo em uma linguagem técnica e nada acessível, embora, de fato, se trate de informações técnicas.
Com isso, há uma margem gigantesca para os planos realizarem os números que desejarem. A contestação se torna quase impossível.
No âmbito judicial, os julgadores também não estão preparados para entender esse tema, de modo que os critérios de razoabilidade ficam quase impossíveis de se aplicar.
O critério utilizado, então, normalmente passa a ser o comparativo, seja com a inflação do período, seja com os percentuais aplicados por outras empresas do mercado.
No entanto, se todas elas aplicarem reajuste alto, isso por si só já desestabilizará a compreensão do juiz sobre o que é um aumento razoável e o que não é.
Assim, a discussão não acaba, mas apenas se reinicia, em um movimento sem fim de problemas contratuais insanáveis no mercado da saúde suplementar.
Bruno Barchi Muniz – é advogado, graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Católica de Santos, Pós-Graduado em Direito Tributário e Processual Tributário pela Escola Paulista de Direito (EPD), membro da Associação dos Advogados de São Paulo. É sócio-fundador do escritório Losinskas, Barchi Muniz Advogados Associados – www.lbmadvogados.com.br