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A polêmica obtenção de informações genéticas de pacientes por planos de saúde

Recentemente o Partido Democrático Trabalhista (PDT) ingressou com processo judicial de tipo chamado Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no Supremo Tribunal Federal (STF) com o objetivo e questionar entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, de acordo com a opinião do partido, permitiria às empresas do ramo de planos de saúde obter informações sobre o patrimônio genético dos potenciais clientes antes de se fechar a contratação da cobertura.

A discussão toda gira em torno do entendimento consolidado pelo STJ, exposto na Súmula nº 609, com o seguinte teor:

Súmula nº 609/STJ: A recusa de cobertura securitária, sob a alegação de doença preexistente, é ilícita se não houve a exigência de exames médicos prévios à contratação ou a demonstração de má-fé do segurado.

O partido político autor do processo alega que esse entendimento possibilitaria aos planos de saúde, operadora e seguradoras acessar dados genéticos de potenciais clientes e, a partir disso, definir sobre a contratação, estipular termos diferenciados, preços e condições dos serviços.

Alega-se, ainda, que a obrigação do segurado em informar doenças e lesões preexistentes quando da assinatura do contrato não se aplicaria a mutações genéticas, que não são propriamente doenças, mas condições particulares do indivíduo que podem ou não ocasionar efeitos médicos.

Antes de tudo, nós temos algumas dúvidas sobre a possibilidade processual de o STF julgar esse tema, já que, em nosso entender, seria questionável a existência dos pressupostos que permitiriam a esse Tribunal realizar essa análise. Nos parece, no primeiro exame, que a discussão se limitaria a outras cortes, como os Tribunais de Justiça dos Estados e, talvez, o STJ.

Dito isso, apesar de a preocupação ser válida, na nossa prática não temos visto grande influência desse tipo de questão.

É verdade que os questionários de planos de saúde frequentemente abordam histórico familiar – e não está claro se é contra isso que o partido político está se insurgindo –, mas, mesmo assim, não vemos uma grande rejeição de contratação de planos motivada por esse tipo de recusa, que, se acontecesse, poderia ser objeto de processo judicial para analisar aquele caso concreto.

De outra senda, para uma avaliação mais completa, o plano de saúde potencialmente contratado teria, talvez, que exigir um exame do tipo de mapeamento genético, para avaliar os problemas de saúde mais prováveis àquele contratante em si.

No entanto, também na prática não temos visto isso acontecer, sendo que, na verdade, é um verdadeiro martírio fazer judicialmente uma empresa do ramo arcar com um exame desses mesmos em casos de evidente necessidade de usuários já estabelecidos. Os planos teriam interesse em custear esses exames para todos os seus prospectos? Nos parece muito pouco provável.

Aos planos de saúde e empresas desse mercado é proibida a prática de “seleção de riscos”, por meio da qual se excluiria ou se evitaria a contratação com certos tipos de beneficiários que as empresas considerassem “indesejáveis” ou “desinteressantes” do ponto de vista financeiro.

Isso foi reafirmado por recente nota da ANS em relação aos cancelamentos rescisões unilaterais de contratos que ocorreram recentemente (v. https://www.gov.br/ans/pt-br/assuntos/noticias/beneficiario/nota-da-ans-sobre-cancelamento-e-rescisao-de-contratos).

Ainda sobre a obtenção de dados, as preocupações sobre investigação indiscriminada do passado médico dos consumidores e coleta de dados sensíveis antes da precificação do serviço não nos parece, a princípio, um problema, se considerarmos a observância da Lei Geral de Proteção de Dados e a cláusula jurídica cogente que proíbe a utilização de informações obtidas de forma ilícita, considerando, ainda, que todas as decisões de planos de saúde sobre contratação ou não devam ser motivadas.

Na verdade, o maior problema que visualizamos talvez seja o manifesto silêncio dessas empresas quanto aos relacionamentos com usuários, sendo que a mais funcional transformação talvez seja essa fiscalização quanto aos motivos determinantes para os contratos.

Portanto, enquanto não temos perfeita certeza sobre o que o partido político está combatendo, mediante a aplicação de uma interpretação que nos parece equivocada da Súmula nº 609/STJ, nos parece que esse tipo de ação discriminatória por parte de empresas do mercado de saúde suplementar, se houver, poderá ser combatida de forma pontual, não havendo necessidade de um exame geral e hipotético pelo STF, que, reprisamos, não nos parece a Corte a apurar esse tipo de caso.

Bruno Barchi Muniz – é advogado, graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Católica de Santos, Pós-Graduado em Direito Tributário e Processual Tributário pela Escola Paulista de Direito (EPD), membro da Associação dos Advogados de São Paulo. É sócio-fundador do escritório Losinskas, Barchi Muniz Advogados Associados – www.lbmadvogados.com.br

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