Como muitos já sabem, recentemente o STJ (Superior Tribunal de Justiça), por maioria, julgou pela taxatividade do “rol da ANS”, em relação aos tratamentos e procedimentos obrigatórios para os planos de saúde.
A própria decisão, porém, comportou inúmeras exceções e manteve a discussão completamente aberta, remetendo ao caso a caso.
Mas, ante (justíssima) comoção geral, o Congresso se mobilizou e votou o projeto que resultou na Lei nº 14.454/2022, que estabeleceu, expressamente, que o rol da ANS é exemplificativo, fazendo com que os planos de saúde sejam obrigados a cobrir tratamentos não previstos no dito rol nos casos de:
- Existência de comprovação da eficácia do tratamento requerido, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou
- Caso existam recomendações do tratamento, pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) ou exista recomendação de, no mínimo, um órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais.
Diante disso, nos permitimos transcrever trecho do nosso artigo intitulado “Rol da ANS: Uma disputa que jamais irá acabar – Parte 1”, escrito quando essa norma ainda era projeto de lei.
“Os critérios, como se nota, são bons e razoáveis. No entanto, estabelecem-se, de todo modo “critérios”, o que não nos parece a forma mais adequada de lidar com o tema, senão com o que sempre se adotou e deveria continuar a se adotar: o rumo do tratamento cabe ao médico.
Ora, a relação médico-paciente é relação de confiança. O profissional liberal, como é o médico, tem o direito de gerar os próprios caminhos, dentro do rigor da profissão, e somente pode ser reprimido por imperícia, dentro dos limites da melhor técnica disponível ao momento para aquela mesma profissão.
É certo que muitas vezes há diversidade de caminhos para se chegar a um destino e cada profissional deveria ter o direito de assim fazer, assim como os planos deveriam ter dever de custear, pois é para isso que existem e são contratados pelos usuários.
O projeto de lei que, esclareça-se, ainda é projeto, podendo ser alterado antes de se tornar lei (se é que assim se tornará), não deixa de ser oportuno e com critérios razoáveis. Mas, isso somente gerará novas discussões judiciais para serem resolvidas daqui a 20, 25 anos.”
O nome do artigo, falando sobre a “disputa que jamais irá acabar”, creio que tenha sido profético, pois, mesmo com a conversão do então projeto em lei, gerará aos planos novas demandas e não se acredita que mudarão as condutas em relação às negativas de tratamentos, especialmente sob argumento de “falta de comprovação de eficácia à luz das ciências da saúde”.
A ciência é desenvolvida dia a dia, muitas vezes com a observação singela apenas daquele profissional da saúde, em descoberta que se propagará somente muito tempo depois.
Não devemos nos esquecer que a ciência é atividade solitária e que em algum momento qualquer descobridor será voz única perante o mundo. Muitos gênios somente foram assim reconhecidos décadas após.
Por isso, embora a intenção da lei seja boa – e ela, de fato, é bastante razoável – isso não acabará com processos judiciais, mas, como já se previa, apenas gerará novas discussões judiciais pelos próximos 20, 25 anos.
Bruno Barchi Muniz – é advogado, graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Católica de Santos, Pós-Graduado em Direito Tributário e Processual Tributário pela Escola Paulista de Direito (EPD), membro da Associação dos Advogados de São Paulo. É sócio-fundador do escritório Losinskas, Barchi Muniz Advogados Associados – www.lbmadvogados.com.br