Recentemente temos recebido muitas consultas de grávidas questionando cobranças por parte de profissionais médicos, a respeito de acompanhamento pré-natal e parto, muitas vezes chamada de “taxa de disponibilidade”.
Quando a mulher descobre a gravidez, vai até o médico ginecologista e obstetra para iniciar o acompanhamento ao longo dos nove meses de gestação, que culminará no tão esperado parto da criança.
Ocorre que muitos médicos propõem a cobrança da dita “taxa” com a alegação de que ficarão à disposição a qualquer tempo, inclusive para o parto.
Só que essa cobrança é proposta mesmo quando se trata de usuária de plano de saúde, pelo qual o médico já é remunerado.
É evidente que já nesses casos há, no mínimo, conduta tangente a transgressões éticas e contratuais, podendo gerar problemas custosos para o profissional. No entanto, parece haver como “atenuante” o fato de que, em havendo acordo, pressupõe-se que a gestante teria interesse e confiança apenas naquele profissional, desejando que ele desenvolva todo o acompanhamento até o parto, com exclusão de qualquer outro médico.
Por isso, nesse raciocínio, se justificaria a cobrança da “taxa de disponibilidade”, posto que o médico teria que ficar à disposição não importa quando se iniciasse o trabalho de parto ou qualquer intercorrência antes dessa data.
Os valores cobrados nessa “taxa” não são nada modestos e, com certeza, fazem com que muitos profissionais “cresçam o olho” para induzir as pacientes a fazer esse tipo de “contratação”.
Só que o que era, na melhor das hipóteses, sendo muito clemente, uma possível irregularidade ética e contratual, está se tornando uma coação.
Recentemente fui consultado por uma colega advogada, em sua primeira gravidez, com 28 semanas de gestação.
Aflita, ela contou que desde o início da gravidez realizava o pré-natal com profissional que fora indicado por uma amiga. Agora, partindo para o último trimestre de gravidez, foi interpelada pela secretária do médico, questionando se ela desejava fazer o parto com esse médico ou se optaria por realiza-lo com o plantonista que estivesse no hospital, indicando o valor que o médico cobraria pelo parto.
Detalhe: ela é usuária de plano de saúde ao qual o médico é conveniado, de modo que não poderia haver cobrança adicional para esse tipo de serviço.
A gestante não teve interesse em realizar o parto especificamente com esse médico, aceitando que fosse feito pelo plantonista do dia.
Ao informar a secretária do médico a esse respeito, recebeu como resposta que o “doutor só faz pré-natal de quem ele fará o parto”, indicando que, se não pagasse o valor do parto, travestido na tal “taxa”, teria que fazer o acompanhamento com outro médico.
Só que quem já passou por situação de troca de ginecologista/obstetra nessa altura da gestação sabe como é difícil, não só pela conjuntura em si, mas porque há muitos profissionais que têm receio de tomar o serviço nesse estágio.
Com extrema dificuldade, ela conseguiu outro profissional para acompanhamento. E, mesmo assim, o médico anterior fez “corpo mole” e criou obstáculos ao fornecimento do prontuário e relatório médicos, que são direitos do paciente.
É evidente tratar-se de grave violação ética e contratual, motivo pelo qual a orientei a representar o profissional junto ao conselho de classe, ao plano de saúde, que, por sua vez, fora representado junto à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), além de ingressar com ação judicial de reparação de danos.
Sabemos que alguns conselhos médicos já se posicionaram, no passado, a favor da cobrança da “taxa de disponibilidade”, argumentando que a cobrança seria pela efetiva “disponibilidade” acima descrita, diferente da consulta e do parto, cobertos pelo plano de saúde ou, se não houver convênio médico, dos honorários pagos para tais fins ao médico particular.
Mas, nos parece claro que isso descambaria para a coação de pacientes em situação de extrema fragilidade, como de fato veio a acontecer no caso que narrei, que não é de forma alguma isolado.
A ANS já se manifestou no sentido de que a cobrança é indevida, mesmo nas situações menos graves, como falamos no início, embora não haja lei expressa que proíba a prática.
No entanto, considerando que esses casos frequentemente são vinculados a planos de saúde, há relação de consumo, com atração de aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor, com óbvia interpretação de se tratar de prática abusiva, praticada contra pessoa especialmente vulnerável, sobretudo quando a cobrança da “taxa” ou a coação de cobrança pelo parto, sob pena de o médico abandonar o acompanhamento pré-natal, surgem repentinamente, já em estágio avançado da gravidez.
O famoso e histórico político francês, Georges Clemenceau, cunhou a frase: “Toda a tolerância se torna, com o tempo, num direito adquirido”.
O tom morno com que os conselhos da classe médica trataram a “taxa de disponibilidade” animou a má prática de certos profissionais, que, aprofundando na tolerância com que foram recepcionados, se animaram a frustrar e a trair pacientes que lhes confiaram a saúde e vida dos próprios filhos.
Aos médicos que queiram se aventurar pelas águas revoltas da “taxa de disponibilidade”, lembrem pelo menos de que o dever de informação é amplo e irrestrito, devendo ser manejado e comprovada a ciência da paciente desde a primeira consulta.
Bruno Barchi Muniz – é advogado, graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Católica de Santos, Pós-Graduado em Direito Tributário e Processual Tributário pela Escola Paulista de Direito (EPD), membro da Associação dos Advogados de São Paulo. É sócio-fundador do escritório Losinskas, Barchi Muniz Advogados Associados – www.lbmadvogados.com.br