No atual cenário fiscal brasileiro, pessoas físicas e jurídicas estão sujeitas a constantes fiscalizações por parte das Receitas – Municipal, Estadual e Federal –, o que muitas vezes resulta em autuações e aplicação de multas.
No entanto, é importante ressaltar que mesmo que tenha ocorrido uma infração, nem sempre essas multas são legais e constitucionais, podendo ser consideradas confiscatórias.
A Constituição Federal, ao tratar da regulação tributária, veda expressamente não só o tributo confiscatório, mas a utilização do tributo “com efeito de confisco” (art. 150, IV).
Ou seja, não pode o Estado utilizar o argumento da cobrança de tributos para, na prática, tomar os bens do contribuinte.
Só que para a maioria das Receitas, isso é letra morta. E o confisco vem justamente quando são aplicadas as multas tributárias.
Não é raro encontrar fiscalizações que encontram tributos devidos e não pagos ao ente tributante, mas com multas cuja previsão legal é de incidirem à razão de 150, 200, 225 e até 300% do valor do tributo.
Isso quando a fiscalização não autua empresa por suposta multiplicidade de infrações – sobretudo por falhas em obrigações acessórias, declarações etc. –, que, somadas, resultam em multa milionárias para se cobrar algumas centenas de reais em tributos não pagos.
O Judiciário historicamente enfrentou de maneira tímida essas cobranças abusivas, em parte por profundo desinteresse e desconexão dos juízes com os problemas do dia a dia, sobretudo das empresas e, em parte, por falta de parâmetros, já que a única norma que se tem a esse respeito é justamente a que veda a utilização de tributo “com efeito de confisco”.
Com efeito, essa disposição é realmente vaga. Qual o limite entre a cobrança legítima e o confisco? É difícil, senão impossível, ter uma resposta pronta e aplicável indistintamente a qualquer caso.
É claro que existem situações que também merecem maior ou menor reprimenda. Alguém que simplesmente atrasou o pagamento de um tributo certamente não merece ter a mesma penalidade de alguém que praticou uma fraude para evitar pagar tributo. Mas uma fraude não deve autorizar que se tomem todos os bens do fraudador, nem desproporcionalmente à falta praticada.
Desde 2014 vem sendo aplicado um precedente do STF, já reiterado na própria Corte, de que a multa não pode ser superior a 100% do valor do tributo.
É certamente um parâmetro. E, em vista dos absurdos que vemos por aí, um parâmetro extremamente animador, embora pareça um absurdo para qualquer pessoa normal fora do mundo do Direito. Ou até mesmo fora do mundo do Direito Tributário.
Eu realmente duvido que os advogados que atuam com Direito Civil já tenham visto algum juiz validar multa contratual de 100%. Eu mesmo já vi anulação de cláusulas tidas por “abusivas” com multas de 20, 30 ou 50%. Mas, para o Estado, 100% parece estar de bom tamanho.
Só que como no Brasil tudo pode ser desvirtuado, muitos fiscos Brasil afora se “adequaram” e passaram a cobrar multas – respaldadas em leis dos respectivos entes tributantes, é claro – que jamais ultrapassam 100% do valor do tributo.
No entanto, elevaram as multas de percentuais mais baixos para esse limite ou para valor ligeiramente inferior.
Com isso, temos hoje uma profusão de multas de 100% do valor do tributo incidentes sobre as irregularidades mais comezinhas, que poderiam ser tratadas, quiçá, apenas com a cobrança de eventuais juros e correção, sem nenhuma penalidade.
Mas, se o Judiciário for questionado acerca da desproporcionalidade ou falta de razoabilidade de certa multa, o parâmetro que observarão é o do limite de 100% do valor do tributo.
Ou seja, a decisão do STF, por um lado, representou um grande avanço. Por outro, criou um novo cenário de desconexão com a realidade, pois, o já dito desinteresse e desconexão dos juízes com os problemas do dia a dia, sobretudo de empresas, persiste.
Urge que sejam feitas demonstrações mais amplas dessas situações para que, com o perdão da expressão paradoxal, a razão sensibilize os julgadores.
Bruno Barchi Muniz – é advogado, graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Católica de Santos, Pós-Graduado em Direito Tributário e Processual Tributário pela Escola Paulista de Direito (EPD), membro da Associação dos Advogados de São Paulo. É sócio-fundador do escritório Losinskas, Barchi Muniz Advogados Associados – www.lbmadvogados.com.br